Trecho do livro "Hell's Angels", de Hunter S. Thompson, onde ele descreve a sensação de rodar "no limite", de madrugada, com as estradas desertas.
O Limite
Então era sempre de madrugada, como um lobisomem, que eu saía com a "coisa" para um passeio decente pela costa. Eu começava no Golden Gate Park, pensando apenas em percorrer algumas longas curvas para esfriar a cabeça... Mas, em questão de minutos, eu estava na praia com o som dos motores nos meus ouvidos, as ondas arrebentando no quebra-mar e uma bela estrada vazia que ia até Santa Cruz... nem sequer um posto de gasolina num trecho de cem quilômetros. A única iluminação pública no caminho é a de uma lanchonete 24 horas perto da praia de Rockaway. Nessas noites não havia capacete, limite de velocidade e nada de pegar leve nas curvas. A sensação de liberdade momentânea do passeio no parque era como o drinque infeliz que faz o alcoólatra hesitante ter uma recaída. Eu saía do parque perto do campo de futebol, fazia uma breve pausa diante daquelas pessoas que estavam dentro dos carros estacionados na faixa da trepada da meia-noite.
Depois, eu colocava a primeira, marcha, esquecia os carros e deixava a fera se soltar... 60, 70 km/h... depois a segunda, resmungando para passar pelo sinal da Lincoln Way, sem me preocupar se estava verde ou vermelho, mas apenas atento a algum outro lobisomem maluco que estivesse saindo, devagar demais, para começar sua jornada. Não há muitos... e, com três pistas numa curva ampla, uma moto vindo com tudo tem muito espaço para desviar de qualquer coisa... depois a terceira, a marcha da potência, chegando a 120 km/h e ao começo dos gritos estridentes do vento no ouvido, uma pressão no globo ocular como um mergulho na água de um trampolim bem alto.
Inclinado para a frente, sentado na parte de trás do banco e segurando firme o guidão quando a moto começa a tremer e sacudir no vento. Luzes traseiras muito distantes se aproximam rápida e, de repente - zaaapppp -, passo e inclino a moto numa curva perto do jardim zoológico, onde a estrada abre para o mar.
As dunas são mais amplas aqui e, nos dias em que venta muito, a areia atravessa a rodovia, aglomerando-se em depósitos espessos tão fatais quanto qualquer óleo na pista... perda de controle instantânea, uma batida, derrapagem, capotagem, e talvez uma daquelas notinhas de cinco centímetros no jornal do dia seguinte: "Um motociclista não identificado morreu ontem à noite por não conseguir transpor uma curva na Highway I".
É verdade... mas dessa vez não havia areia, então o pedal vai para cima, para a quarta, e agora não se ouve nenhum som a não ser o do vento. Todo esticado, tateando o guidão para elevar o feixe do farol, o ponteiro encosta no 160 e os globos oculares ardentes lutam para enxergar o centro da pista mesmo com a pressão do vento. É preciso deixar uma margem para os reflexos.
Mas com o acelerador no máximo a margem é muito pouca, e não existe nenhuma possibilidade de erro. Tudo tem que ser feito certo... e é aí que a música estranha começa, quando você abusa tanto da sorte que o medo se transforma em alegria e vibra pelos seus braços. A 160 km/h, mal dá para enxergar, as lágrimas são jogadas para trás tão rápido que evaporam antes de chegarem às orelhas. Os únicos sons são o do vento e um zunido surdo que vem dos amortecedores. Você vê a linha branca e tenta virar junto com ela... urrando numa curva para a direita, depois para a esquerda e na longa descida para Pacífica... menos intenso agora, atento para a presença da polícia, mas só até o próximo trecho escuro e mais alguns segundos no limite... O Limite...
Não existe nenhuma forma genuína de explicá-lo porque as únicas pessoas que realmente sabem onde ele está são aquelas que o ultrapassaram. As outras - as vivas - são as que forçaram seu controle até onde sentiram que podiam aguentar, e depois recuaram, ou reduziram a velocidade ou fizeram o que quer que tinham que fazer quando chegou o momento de escolher entre o Agora e o Depois.
Mas o limite ainda está Lá. Ou talvez Aqui. A associação que se faz entre motocicletas e LSD não é um acidente de publicidade. Os dois são meios para se chegar a um fim, ao lugar das definições.
Nossa que motos em!
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